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A Influência Social no Comportamento Alimentar

Em 2014, a Organização Mundial da Saúde identificou os hábitos alimentares pouco saudáveis como um dos fatores de risco para o desenvolvimento de doenças graves não transmissíveis. Dois anos depois, com o intuito de compreender melhor os fatores determinantes deste fenómeno, um grupo constituído por mais de 80 investigadores europeus de diferentes origens académicas apresentou um quadro multidisciplinar tendo como base a revisão de 1820 publicações de 485 revistas científicas num período de 60 anos. Quatro níveis de influência foram identificados: individual, interpessoal, ambiental e político. O nível que trago para reflexão é o interpessoal, por entender ser pouco considerado na altura de debater soluções para a melhoria dos hábitos alimentares.

De um ponto de vista evolucionista, fazer parte de grupos representa uma forma de garantir a sobrevivência desde os primórdios (Caporael e Brewer, 1995), quando a rejeição do grupo poderia conduzir à morte dos hominídeos. Desde então, o valor da sobrevivência pela interdependência evoluiu para um conjunto de mecanismos internos que impulsionam os seres humanos a fazer parte de grupos sociais (Stevens e Fiske, 1995), a predispô-los a se relacionarem com outros, a experimentar angústia quando as relações sociais são negadas ou dissolvidas, e a sentir prazer ou afeto do convívio social e parentesco (Leary e Baumeister, 2017). Qualquer indivíduo faz parte de uma rede social, vive em interação com outros por meio de relações formais ou informais. De uma forma mais ou menos evidente, o grupo social (também) determina o comportamento e as atitudes de cada membro.

No processo de tomada de decisão num contexto alimentar os fatores sociais exercem influência. Porém, tipicamente os indivíduos não a reconhecem, revelando imprecisão ou incorreção nas atribuições das suas escolhas alimentares (Vartanian et al., 2017). Vejamos alguns exemplos.

Em grupo procuramos maior variedade de alimentos (mesmo que resulte numa maior insatisfação) do que quando consumimos sozinhos (Ariely, Levav, 2000), sendo que essa decisão poderá refletir um equilíbrio de dois tipos de objetivos: individuais (singularidade) e objetivos desencadeados pela existência do grupo (informativos). No que diz respeito a quantidades, tomamos como referência as quantidades que outros ao nosso redor consomem, mas essas porções são ajustadas de acordo com o tipo de corpo do outro. Assim, escolhemos uma porção maior se o consumidor anterior optar por uma grande quantidade. Mas essa parcela é significativamente menor se o consumidor anterior for obeso (do que se for magro) (McFerran et al, 2010). De um modo geral, conformamos com a quantidade média de alimentos que o grupo consome: aqueles que estão naturalmente inclinados a comer grandes porções comem menos na presença de outros, e aqueles que normalmente comem muito pouco acabam comendo mais (Bell e Pliner 2003).

Em suma, temos tendência a alinhar o nosso comportamento alimentar com o do(s) nosso(s) companheiro(s) de refeição, sendo que a escolha de alimentos poderá ser influenciada pelo desejo de transmitir uma certa impressão (auto-apresentação) ou pelo desejo de aderir às normas sociais (Leary e Kowalski, 1990; Roth et al., 2001). O mais surpreendente é que os efeitos sociais podem substituir outros efeitos que influenciam a ingestão de alimentos como o sentimento de fome (Goldman, Herman e Polivy, 1991). Tudo isto explica porque se tem verificado que as normas sociais relacionadas com a ingestão de alimentos podem contribuir para a propagação de obesidade nas redes sociais (Christakis & Fowler, 2007) e por isso não devem ser descuradas.

E por que são os consumidores influenciados por outros? Fazemos avaliações sobre os outros com base nos seus comportamentos, incluindo os de consumo. Com base no mesmo argumento, os nossos comportamentos privados poderão ser diferentes dos públicos. Contudo, a realidade é que muitas vezes fazemos uma avaliação imprecisa sobre o quanto somos notados. Tal como explica a teoria do “spotlight effect”, de Gilovich, Medvec, e Savitsky, acreditamos que somos observados mais do que realmente somos, que (erradamente) os outros reparam no nosso comportamento. Ou seja, embora sejamos o centro do nosso mundo, não somos necessariamente o centro do mundo dos outros.

 

Ana Margarida Barreto

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

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Referências:

Ariely, D. & Levav, J. (2000), “Sequential Choice in Group Settings: Taking the Road Less Traveled and Less Enjoyed,” Journal of Consumer Research, 27, 279-290.

Bell, R., & Pliner, P. L. (2003). Time to eat: the relationship between the number of people eating and meal duration in three lunch settings. Appetite, 41(2), 215-218.

Caporael, L. R., & Brewer, M. B. (1995). Hierarchical evolutionary theory: There is an alternative, and it’s not creationism. Psychological Inquiry, 6(1), 31-34.

Christakis, N. A., & Fowler, J. H. (2007). The spread of obesity in a large social network over 32 years. New England journal of medicine, 357(4), 370-379.

Gilovich, T., Medvec, V. H., & Savitsky, K. (2000), “The Spotlight Effect in Social Judgment: An Egocentric Bias in Estimates of the Salience of One’s Own Actions and Appearance,” Journal of Personality and Social Psychology, 78, 211-222.

Goldman, S. J., Herman, C. P., & Polivy, J. (1991). Is the effect of a social model on eating attenuated by hunger?. Appetite, 17(2), 129-140.

Leary, M. R., & Baumeister, R. F. (2017). The need to belong: Desire for interpersonal attachments as a fundamental human motivation. In Interpersonal Development (pp. 57-89). Routledge.

Leary, M. R., & Kowalski, R. M. (1990). Impression management: A literature review and two-component model. Psychological bulletin, 107(1), 34.

McFerran, B., Dahl, D. W., Fitzsimons, G. J., & Morales, A. C.(2010), “I’ll Have What She’s Having: Effects of Social Influence and Body Type on the Food Choices of Others,” Journal of Consumer Research, 36, 915-929.

Stevens, L. E., & Fiske, S. T. (1995). Motivation and cognition in social life: A social survival perspective. Social cognition, 13(3), 189-214.

Vartanian, L. R., Spanos, S., Herman, C. P., & Polivy, J. (2017). Conflicting internal and external eating cues: Impact on food intake and attributions. Health Psychology, 36(4), 365.

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